Há uma forte relação entre saúde mental e comunicação. Entre os nove riscos psicossociais no trabalho listados no guia técnico da nova NR1 (Norma Regulamentadora nº 1), cinco estão diretamente ligados à forma como a empresa se comunica com as pessoas: ausência de clareza sobre papéis e responsabilidades, exigências contraditórias, falta de reconhecimento, ausência de apoio da liderança e linguagem violenta – ainda que sutil.
Após adiamento, a partir de maio de 2026 as empresas vão precisar identificar, avaliar e gerenciar fatores que afetam diretamente a saúde mental dos colaboradores. Esse movimento de regulamentação no Brasil foi influenciado pela tese de doutorado da advogada Thaísa Mara Leal Cintra, defendida na Universidade de São Paulo (USP) em 2023, e que propôs um Projeto de Lei (PL) para normatizar medidas de promoção, prevenção e intervenção sobre os riscos psicossociais nas relações de trabalho.
Segundo a advogada, sua motivação para a elaboração do PL foi justamente a “omissão da legislação brasileira, que durante anos tratou saúde mental de forma genérica, impedindo ações preventivas apesar da base jurídica sólida”.
Com mais de 700 casos judiciais analisados em sua pesquisa, Thaísa construiu um referencial técnico e metodológico com base científica e comparado com práticas internacionais. E foi além: fundou uma startup voltada à gestão automatizada de riscos psicossociais e se especializou em Comunicação Não Violenta, reconhecendo que a comunicação nas empresas é essencial para qualquer política de saúde mental no ambiente de trabalho.
Confira a entrevista a seguir, realizada pela confundadora da Stella Comunicação, Ciça Vallerio, para entender como a nova NR1 liga saúde mental e comunicação no trabalho, e o que sua empresa precisa fazer antes de 2026.
O que a judicialização da saúde mental no trabalho revela sobre as empresas?
Percebi que grande parte das ações judiciais se baseava em ‘ausência de prevenção’. As empresas agem quando o dano já está feito – e isso custa caro. Vi casos relacionados a sobrecarga, assédio, ambiente tóxico e falta de escuta. Não existia, até então, um olhar estruturado para o risco psicossocial. Só se falava em saúde integral de forma genérica. A minha tese quis mostrar o tamanho da omissão.
Foi isso que motivou você a propor um Projeto de Lei?
Sim. Vi que o RH muitas vezes queria agir, mas não tinha respaldo legal. Então propus um PL com medidas claras para gestão dos riscos psicossociais nas empresas. Isso foi em 2019, mas a pandemia escancarou o problema e acelerou o debate. Acredito que minha proposta influenciou a inclusão do tema na NR1, embora a norma ainda esteja aquém do necessário.
Quais são as críticas à NR1 sobre saúde mental e riscos psicossociais?
Faltou clareza conceitual, metodologia e diretrizes práticas. A norma cita o risco psicossocial, mas não explica como lidar com ele. Isso deixou o mercado perdido. Empresas querem fazer certo, mas não sabem por onde começar. Minha proposta previa uma nova NR, específica, com base científica e ferramentas validadas – como já existe em outros países. Ainda espero que isso avance na Câmara dos Deputados.
Como a comunicação empresarial impacta a saúde mental no ambiente de trabalho?
No fundo, a NR1 trata de gestão de relacionamento. E relacionamento é comunicação. Quando uma empresa não sabe comunicar papéis, expectativas, limites ou escuta ativa, ela está criando um ambiente de risco. Comunicação mal feita pode ser fonte de sofrimento. Comunicação bem feita pode ser fator de proteção.
Foi por essa razão que você se especializou em Comunicação Não Violenta?
Sim. Percebi que conhecimento técnico não basta se não soubermos como dialogar. As pessoas que vão liderar esse processo nas empresas (RH, gestores e SST) precisam se comunicar com clareza, empatia e intencionalidade. Comunicação não violenta é sobre isso: construir conexão antes de construir solução. É o primeiro passo para qualquer transformação real.
Seu conhecimento em saúde mental impulsionou a criação da startup Mind Score. O que é?
É uma plataforma que criamos para ajudar empresas de pequenas a grandes a automatizar a gestão dos riscos psicossociais. Usamos metodologias validadas internacionalmente, traduzidas para o contexto brasileiro. Geramos relatórios com indicadores como absenteísmo, engajamento, rotatividade, e ainda oferecemos recomendações de plano de ação. E para empresas com até 60 pessoas, é gratuito. A ideia é democratizar ciência, tecnologia e cuidado.
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